Uma história com beijo sem final feliz.
A protagonista da nossa história é a Luana, o antagonista, o machismo.
Além dessa história não ter um final feliz, ela ainda pode fazer você se ver como o vilão da narrativa, seja você homem ou mulher. Vai lendo e descobrindo quem você é:
A Luana queria beijar dois rapazes na festa, mas teve que se contentar com um, e por azar, escolheu o garoto que tinha o PIOR BEIJO DO MUNDO, segundo a própria.
Ela queria muito beijar o segundo e esquecer a experiência ruim que teve com o outro, mas as amigas foram taxativas, se ela saísse pegando geral iam deixar ela de lado (nem sempre temos bom gosto com as/os amigas/os que fazemos), não queriam ficar mal faladas no colégio.
Frustrada com o beijo do garoto e com a atitude das meninas, Luana sentou em um canto da festa e observou o Luís (o bonitão da escola) beijar a quinta menina da noite. Quinta!
Enquanto ela tinha que se contentar com aquele… Não queria nem lembrar do beijo, que preferia nem categorizar como tal, beijo é bom e aquilo foi horrível.
Desolada, continuou a observar o Luís conversando com os colegas, provavelmente os amigos não estavam julgando a atitude dele e nem se queixando da possibilidade de ficarem mal falados por andarem com ele.
A garota pensou inconformada, “se eu beijo dois, sou a fácil da escola, se ele beija cinco, é o irresistível”. Neste momento ela compreendeu que o mundo vê homens e mulheres de formas diferentes, enquanto eles são donos de si (e acham que são donos de nós), elas só podem ser donas do pudor que toda mulher deve ter. E aí dela se não tiver.
Foi isso que o pai dela sempre falou, “mulher tem que se dar o respeito”, não pode dar em cima dos caras, não pode usar roupas muito provocantes para não atiçar os homens, não pode abusar do álcool. A menina cresceu ouvindo a doutrina do não pode, quando perguntava o porquê, o pai sempre dava uma resposta bem embasada, “mulheres certas não podem fazer certas coisas, filhinha.”
Luana, agora com os seus 17 anos, numa noite não muito boa para ela, percebeu que estava condenada a viver sempre em desvantagem em quase tudo na vida. Por que? Tinha nascido mulher. Pensava inconformada, aquilo não era certo, o mundo não era justo com as mulheres.
Aqui termina nossa história, mas começa uma boa reflexão, quem é você nessa narrativa, ou melhor, quais atitudes suas se encaixam nesse texto?
A amiga que julga a outra por beijar mais de um cara na festa, o pai machista que não enxerga a opressão que faz com a filha e acredita que está protegendo ela, o garanhão que fica com muitas meninas numa noite, mas depois sai falando mal delas porque foi muito fácil conquista-las, ou a Luana, que sente que o mundo está errando feio com as mulheres, mas continua tentando dançar a música conforme a sociedade manda.
Perceba que todos nós podemos cometer essas atitudes machistas ou de passividade a opressão que as mulheres sofrem, mas quando nos sentimos injustiçados recorremos ao feminismo.
Você pode ser a amiga que julga a outra por ficar com várias pessoas, e ao mesmo tempo pode se sentir oprimida por não querer ter filhos e sofre com a pressão de todos que tentam mudar sua opinião sobre a maternidade. Você também pode se encaixar no papel do pai superprotetor machista, que fica indignado quando percebe que a filha formada com especializações e cursos bancados por ele, preparada para cargos importantes, acaba ganhando um salário inferior em relação aos homens que realizam a mesma função.
Você também pode ser o garanhão, que não pode ver uma mulher na rua que já vai dissecando ela com o olhar, porém, nenhum engraçadinho pode mexer com a sua irmã que você já sai do sério e grita aos quatro ventos, “RESPEITA AS MULHERES, RAPAZ!”.
E por que não ser a Luana? Aquela que percebe que tem algo errado na forma como a sociedade trata as mulheres, sente na pele a opressão do machismo, mas quando falam de feminismo para você, a coisa muda da água para o vinho, já deixa claro que não é feminista, acha o discurso muito cheio de dramatização e que esse negócios de mostrar as tetas não é uma manifestação séria.
E aí? Quantas atitudes suas você conseguiu identificar? Quantas bobagens e hipocrisias eu e você cometemos todos os dias? Ninguém é 100% desconstruído e entendido, mas cabe a nós procurarmos ser pessoas melhores, com atitudes melhores. O machismo não vem só dos homens, a opressão não acontece só em meios mais tradicionais, os erros não precisam ser reproduzidos sistematicamente. A coisa precisa mudar, e para melhor, para igual, igualdade de gênero, de direitos e de respeito.
Repense suas atitudes e se autocritique para saber se sua conduta não está desvalorizando ninguém, até a mais feminista das mulheres pode ter uma atitude machista, volto a repetir, ninguém é 100% desconstruído, mas todo mundo pode fazer o esforço de tirar um tijolo por vez.
Eu, que estou sempre lendo textos sobre feminismo, debatendo com amigas, e tentando me engajar na causa, um dia desses vi o título de uma matéria e passei um tempinho para perceber o quanto a frase em destaque era machista: Três mulheres viajam sozinhas e são assaltadas. Se você, assim como eu, demorou para perceber o que está errado nesse enunciado, você também tem muitos tijolinhos para retirar da sua vida, na minha também tem, e muitos.