Jovem negro sentado na linha de trem refletindo sobre o racismo no Brasil

As histórias do Brasil, um jovem negro.

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Acordar ao som de tiros, ter medo de ver seu filho indo para a escola e saber que ele pode ser alvo de uma guerra, ouvir um “mãe, eles não viram que eu estava de uniforme?“. Estar voltando de um passeio com sua filha de 8 anos e perceber que ela acaba de levar um tiro nas costas. Mais uma vítima de um “erro de execução” de quem teoricamente deveria zelar pela sua proteção. 

Esperar encontrar seu marido no ponto de ônibus, é uma noite  chuvosa e você está sem guarda-chuva, ao descer, deparar-se com a cena do seu marido baleado com 3 tiros. O motivo? Confundiram o guarda-chuva com um fuzil e a bolsa canguru, que seria usada para levar o filho de 10 meses, foi interpretada como um colete à prova de balas. Confundiram. Interpretaram. Atiraram. Mataram um pai que foi encontrar sua família com um guarda-chuva e uma bolsa canguru.

Levar seu filho de 5 anos para o trabalho, no meio de um dia atarefado, colocam a obrigação de passear com o cachorro da família, vão olhar o menino, você confia e desce do 5º andar para realizar mais uma “tarefa de trabalho”. O pequeno começa a ficar impaciente e quem prometeu cuidar, perde a paciência e o pouco de humanidade que ainda tem, coloca a criança de 5 anos no elevador e aperta o botão que leva a cobertura do prédio de luxo, o menino para no 9º andar. Minutos depois a queda, a tragédia, a irresponsabilidade, o racismo, a falta de humanidade. Horas depois o laudo de óbito, a indignação e o pedido de justiça pelo assassinato do seu filho de 5 anos. Mataram ele apertando um botão de elevador, os gatilhos mudam, a cor das vítimas não.

Ser preto no Brasil é conviver com o mal da seletividade da violência e discriminação do racismo. Ser preto, morador de periferia e ter entre 15 e 29 anos é quase como viver uma guerra diária por sobrevivência,  e se for do sexo masculino a luta por sobrevivência fica ainda pior, e os números ainda mais alarmantes.

Dos 33.000 jovens assassinados por ano no Brasil, 77% são negros,  segundo dados do Movimento de Anistia Internacional, dos casos de homicídios registrados só 8% viram de fato um processo judicial. Quando analisado sobre a ótica de ações policiais esses números ficam ainda mais vergonhosos e preocupantes.

Entre 2017 e 2018 cerca de 75,4% das vítimas assassinadas pela polícia eram negros, 21 anos é a idade considerada de maior risco para um jovem ser vítima de homicídio, se for um jovem negro, ele tem 147% mais risco de ser assassinado do que um jovem branco, amarelo ou indígena.

O pior é o esquecimento, a falta de incômodo e de políticas que realmente mudem esses números tão vergonhosos do Brasil. Parece que para incomodar, criar comoção e virar um processo judicial com celeridade, o alvo da bala tem que ser de pele branca, se estiver um pouco mais afastado da periferia é que o impacto fica ainda maior, o grito por justiça fica mais forte e as investigações parecem ser mais rápidas e conclusivas. Não tem nada de errado em ser assim, é assim que deveria ser em todos os casos, mas não é.

Temos dois Brasis, um que se comove com a morte de uma minoria branca, e outro que faz vista grossa para o massacre de uma grande maioria negra. Veja os números, olhe as histórias, infelizmente elas não são fictícias, são o retrato da realidade mais dura e triste deste país, esse Brasil negro, 56,10% da população se autodeclara negra, com um racismo estrutural que ultrapassa várias camadas e gera homicídios, abusos e desumanização. 

Ter pele negra para muitos é ter que falar de ausência, falar de um medo constante de ser o nome da próxima manchete, ou pior, nem ser, cair no esquecimento público, ficar no luto da família, na indignação da comunidade mais próxima e só.

Nada é feito, nada é mudado, enquanto a justiça não demonstra celeridade  em julgar casos de homicídios de pessoas negras, a polícia vê normalidade em atirar sem preparo, mesmo que o saldo disso sejam vítimas inocentes,  que depois passam a ser incidentes, “erro de execução”.

E o estado que não enxerga o genocídio de pessoas como algo grave, uma praga que se alastra pelas periferias Brasil afora, uma praga alimentada por esse mesmo estado, com profissionais mal preparados, mal remunerados, mas armados e seguindo o mantra “atirar, depois perguntar. atirar, depois pensar. atirar, depois adulterar a cena, atirar, depois dizer que fez merda.”

As histórias do Brasil, de jovens, de crianças, das famílias, do luto e do grito de justiça sufocado pelo racismo de um Brasil que mata os seus pretos:

Marcos Vinícius da Silva, 14 anos, em 20 de junho de 2018

Ágatha Vitória Sales Félix , 8 anos, em 20 de setembro de 2019

Rodrigo Alexandre da Silva Serrano, 26 anos, em 17 de setembro de 2018

Miguel Otávio Santana da Silva, 5 anos, em 2 de junho de 2020

Evaldo Rosa dos Santos, 51 anos, em 7 de abril de 2019

Luciano Macedo, 27 anos, metralhado  por tiros partidos de policiais no dia 7 de abril de 2019, não resistiu depois de 11 dias internado, 18 de abril de 2019

Mizael Fernandes da Silva, 13 anos, em 01 de julho de 2020

Nota que inspirou esse texto

Textos importantíssimos que me ajudaram a contar essa história

Um pacto pela vida dos jovens negros

Anuário da Violência: 75% dos mortos pelas polícias brasileiras são negros

No Brasil, dois países: para negros, assassinatos crescem 23%. Para brancos, caem 6,8%

Altas da Violência 2019

Imagem destaque: Renan Lima no Pexels

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