O presente que não podemos devolver.
Eu percebi que tinha que encará-lo logo assim que abrir os olhos pela manhã, na verdade, já estava encarando ele desde a madrugada, não foi uma boa noite de sono. Quando acordei ele estava lá, meu presente.
Tomei banho, café preto e um remédio horrível para amenizar a dor de cabeça, só não tomei uma dose de coragem para encará-lo. Saí de casa, peguei o casaco, as chaves, o ônibus e um resfriado. Peguei o necessário e o não desejável, só não peguei um pouco daquela disposição matinal que sempre foge de mim.
Passei a manhã tentando evitar ele, pensei no passado, fiz planos mirabolantes para o futuro, mas o meu presente continuou a me cobrar atenção.
Não é fácil dizer que a gente não gosta do presente, né? Admitir que não estamos contentes com ele é deselegante, somos ensinados a agradecer com um sorriso amarelo e aceitar que aquilo é nosso. O presente que você não desejou ter e que agora tem que vivê-lo.
Estou tendo um dia assim, recusando o meu presente com todas as minhas forças, na realidade, já faz algumas semanas que venho negando a existência dele, pena que ele não tem colaborado.
Depois do almoço voltei a trabalhar, mas logo percebi que não seria fácil, o presente estava bem mais pesado, senti que era o dia dele acertar as contas comigo, meu coração disparou, veio o nó na garganta, não conseguia respirar direito. Saí da sala da forma mais natural que pude, me tranquei no banheiro, desabei. Comecei a chorar compulsivamente, soluçava e ao mesmo tempo rezava para que ninguém entrasse ali, sentia vergonha, estava aos prantos e não conseguia parar.
Neste momento, percebi que aquela era a primeira vez em muito tempo que eu tive a coragem para encarar o meu presente. Eu realmente estava vivendo aquilo, sem tentar escapar para o passado ou futuro, eu estava ali, encarando as minhas perdas recentes, o luto que me recusei a viver, a desilusão amorosa tão dolorosa, as expectativas não preenchidas, nem por mim e nem pelos outros, fui corajosa.
Encarar um presente que a gente não deseja é um ato de bravura, mesmo que aos prantos, as lágrimas não diminuem o ato de coragem de sentir aquelas emoções e de finalmente afrontar o presente.
Depois de uns 15 minutos de muito choro, respirei fundo, saí daquele cubículo, voltei a respirar de verdade, há muito tempo não me sentia tão comigo, tão presente. Lavei o rosto e voltei ao trabalho, no fim do dia voltei para casa e no fim da noite percebi que tinha voltado a vida. Chorei novamente, mas dessa vez de felicidade.
Quem se recusa a viver o presente perde aos poucos os sinais vitais que servem para lembrar que estamos vivos, as relações sociais com amigos e parentes, a nossa capacidade de sentir emoções, o prazer de estar com você mesmo. O presente nem sempre é bom, o tempo nem sempre está ensolarado, a vida nem sempre é fácil, sendo bem sincera, quase nunca é, mas viver os dias nublados e os tempos difíceis faz parte do processo de aproveitar o presente.
Nota que inspirou esse texto: