Economia de afeto para alimentar o ego de migalhas
O segredo da conquista está em não demonstrar. Tem que ser indiferente, demorar para responder, fingir que não se importa. Essas são as táticas da sedução que dão certo. É o que dizem os gurus de relacionamento, os coachs de “como fazer ela (e) se apaixonar por você”.
Enquanto economizamos no carinho, na atenção e no afeto, vamos nos enchendo de dúvidas e ansiedade. Nada fica muito claro nesse jogo dos contrários, em que a tática para conquistar a atenção do outro é não dar atenção. Em vez de respostas, nos deparamos com muitos questionamentos e angústias. Mas se essa fórmula é tão controversa, por que ela ainda é tão usada?
Talvez por ser embasada em um discurso de autoproteção ela ainda faça sentido para muitas pessoas. Com ela evitamos decepções, protegemos o nosso eu, e de quebra alimentamos o nosso ego com pequenas recompensas, tão frágeis que não se sustentam por muito tempo. Logo as inseguranças aparecem, e continuamos no looping do mal me quer, bem me quer.
Parece que é um absurdo demonstrar que se importa, que gosta de estar com aquela pessoa. Nem estou falando de estar apaixonado, é só o simples fato de admitir que a companhia do outro faz bem, sem indiferenças e fingimentos.
Demonstrar o que sente soa estranho, parece arriscado e é desencorajado em diversas situações. No trabalho você não pode demonstrar que está cansado, porque isso é sinal de incompetência, na vida acadêmica não podemos dizer que não entendemos algo, mesmo sendo um assunto que nunca ouvimos falar, porque seria ignorância da nossa parte assumir que não sabemos.
No relacionamento, recente ou de longa data, não podemos demonstrar que estamos com saudades ou se estamos inseguros com alguma situação, porque seria a prova que amamos mais que a outra pessoa, e isso faz mal para o ego, é constrangedor.
É muito cansativo viver assim, é quase como levar golpes diariamente e fingir que não sente nada. Fomos ensinados que falar o que sente é inadequado, ser transparente com o outro e com você é loucura, ficamos vulneráveis, e está vulnerável é muito ruim. Pois, como algo que deixa a gente exposto, e nos traz uma sensação desconfortável de vergonha pode ser benéfico?
Parece estranho, mas realmente a vulnerabilidade pode fazer bem. Nos colocando cara a cara com os sentimentos mais diversos para aprendermos a conviver com eles da melhor maneira possível.
Imagine poder ter uma conversa com o seu colega de trabalho sem mascarar o quão você está cansado, e isso resultar em alguém que possa ajudar você naquela atividade que estava sugando suas energias. Assumir para o outro que uma situação realmente incomodou você, dizer como se sentiu e chegar em um acordo para que aquilo não volte a se repetir. Falar para a pessoa que você está saindo há alguns meses que está apaixonado, e quer saber se isso também é recíproco. Sem jogos de desinteresses, sem precisar fingir nada.
Essas atitudes parecem mais saudáveis, além de serem mais verdadeiras com as nossas experiências humanas. Porém, ainda optamos pelos atalhos espinhosos do fingir que não nos importamos, que não está tão pesado e que conseguimos carregar.
Eu consigo carregar. Não posso demonstrar. Sou forte e autossuficiente.
Vamos fingindo, levando do jeito que dar, até que um dia a verdade entra como um tsunami e a gente vai se afogando em um monte de sentimentos estranhos, que sempre foram evitados, mas agora estamos sendo engolidos por eles e não sabemos como emergir.
Nos protegemos tanto de não sofrer, de não se decepcionar, alimentamos tanto o nosso EU, e nunca aprendemos a dizer que precisamos do outro, ou de alguém que divida o trabalho, o lanche ou explique uma teoria que não sabíamos.
Essas atitudes ainda são sinônimos de fraqueza, preferimos alimentar o ego com migalhas, acreditando que é o bastante para nos mantermos em pé, ou melhor, respirando, até que a próxima onda de insegurança venha e mais uma vez tentaremos sobreviver a ela. Que tenhamos sorte, que sejamos fortes, ou pelo menos que consigamos fingir bem.
Nota que inspirou esse texto
Imagem destaque: Foto de Craig Adderley no Pexels