2020 vai ser o ano! É, ele está sendo.
O paradoxo de 2020 – A gente ficar isolado é a maior prova do quanto estamos interligados. Aquela máxima de o que você faz reflete na vida do outro nunca fez tanto sentido como neste ano.
Se a empresa não conseguiu manter o equilíbrio financeiro e teve que fechar, isso refletiu na vida de todo o quadro de funcionários. A demissão levou um ex-funcionário a procurar uma renda extra, infelizmente não pôde contar com o privilégio do isolamento social, teve que se expôr e acabou sendo contaminado, entrou na grande e problemática cota dos infectados assintomáticos. Sem saber o perigo que carregava, acabou contaminando o pai, 60 anos, diabético, logo os sintomas apareceram e ele precisou ser internado.
Hospital lotado, plantões intermináveis, e ali no mesmo hospital que estava internado o pai do colaborador da empresa que fechou, trabalhava uma enfermeira que acabava de receber o veredito, tinha contraído o vírus, por medo de contaminar seus filhos, optou por sair de casa e hoje está isolada há uma semana vivendo o medo de ser mais um número, a saudade dos filhos e o alívio de descobrir que o teste nos meninos deu negativo.
A empresa que fechou, o colaborador demitido, o pai do colaborador, a enfermeira. O mundo virou de ponta-cabeça e todos estamos sentindo os efeitos disso, em menor ou maior grau.
E onde tudo começou? Isso importa para fins científicos e de estudo, não para apontar o dedo e encontrar culpados. Infelizmente o que estamos encontrando são muitas vítimas, números em manchetes e nomes de pessoas que deixaram saudades, deixaram famílias de luto sem direito a despedidas, deixaram os trabalhos, deixaram os colegas de trabalho, os amigos, deixaram o livro no meio, a série no penúltimo capítulo da 2ª temporada. Gente que deixou gente e uma vida. Não sejamos insensíveis de achar que isso acontecia todo dia e a vida sempre seguiu.
Se alguém nos deixou e tivemos a chance de se despedir, de velar e homenagear, já tivemos muito mais do que as pessoas que perderam alguém neste momento. Não deixe de ver pessoas nos números, não deixe se envenenar por notícias falsas. Sei que é muito mais cômodo acreditar na piada “que é só uma gripezinha”, mas se enganar com o cômodo não faz os problemas desaparecerem, não faz a crise na saúde acabar, não faz os empregos voltarem e não faz uma pandemia global acabar da noite para o dia.
Precisamos encarar a realidade de 2020, ouvir a ciência e rezar, orar, meditar para que a cura venha através do milagre do estudo, esforço e cooperação de todo mundo.
O “mundo parou”, justo aquele mundo que não poderia parar para salvar o planeta da iminente crise climática, porque não podia sacrificar o poderoso sistema econômico, que agora respira com ajuda dos incentivos públicos.
O mundo está tentando voltar, muitos se perguntam para onde, para que mundo vamos voltar? Tenho um palpite que voltaremos para o mesmo mundo, um pouco mais quebrado, desigual e com as mesmas engrenagens funcionando, as mesmas que já demonstraram não funcionarem bem, e quase desmontaram quando um monstro microscopicamente devastador começou a dominar o planeta terra. Serão essas engrenagens que operarão neste “novo mundo”. O nosso mundo, a nossa casa, nosso jeito de consumir, nosso jeito de produzir.
Se aprendemos alguma coisa com tudo isso, talvez não cometeremos os mesmos erros, não nos apegaremos ao comodismo de não questionar, de continuar menosprezando todos os avisos que a natureza nos dá. Não cometamos a insanidade de deixar as engrenagens rachadas e enferrujadas operando um sistema desequilibrado, desigual e insustentável em todos os sentidos.
2020 está sendo o ano, não porque chegamos a marte, não porque a economia se fortaleceu, não porque a internet 7G chegou no mercado. 2020 está sendo o ano porque podemos a partir dele construir novas engrenagens, mais fortes e sustentáveis, que consigam proteger o maior número de pessoas quando outro vilão tentar dominar o mundo.
Nota que inspirou esse texto
Imagem destaque: Site Pexels